História do Bitcoin

A ideia de uma moeda descentralizada começou a ser discutida por membros de uma lista de emails de interessados em criptografia e foi concretizada por um programador de nome “Satoshi Nakamoto”, que comentou o conceito em um paper publicado em 2008 e no ano seguinte criou o código que suporta o sistema. Existem muitos rumores sobre a identidade de “Satoshi”, nenhum confirmado. Em todas as suas comunicações públicas, o hacker usou serviços de email de difícil monitoramento e conseguiu manter-se privado. 

O pouco que se sabe é que ele surgiu repentinamente em discussões online ao divulgar a pesquisa que originou o protocolo Bitcoin, e a partir de 2008 escreveu diversas mensagens – em inglês sem falhas, alternando o uso de termos britânicos e norte-americanos – conclamando que voluntários ajudassem a desenvolver o que seria uma moeda imune a banqueiros e políticos.

Em um post publicado pela P2P Foundation em 2009, onde Nakamoto é identificado como sendo um homem de 38 anos do Japão, ele explica a motivação por trás do projeto: “A raiz do problema com a moeda tradicional é que ela precisa de muita confiança em outros para funcionar. Precisamos de confiança em um banco central para que ele não desvalorize a moeda, mas a história das ‘moedas fiat’ (respaldadas por governos e não pela paridade com o ouro) mostra inúmeras violações de confiança. 

Os bancos devem ser confiáveis para manter o nosso dinheiro e transferi-lo eletronicamente, mas o emprestam em bolhas de crédito com apenas uma fração de reserva. Temos que confiar neles com a nossa privacidade, confiar neles para não deixar os ladrões de identidade drenarem as nossas contas. Com moedas com base na criptografia, sem a necessidade de confiar em um intermediário ou em terceiros, o dinheiro se torna seguro e as transações sem esforço”.

A mensagem é clara: Em vez de confiar em governos, bancos centrais ou instituições de terceiros para manter o valor da moeda e garantir transações, a confiança do Bitcoin seria na matemática (‘Vires in Numeris’, como diz seu moto em Latim que significa ‘força nos números’).

Em 3 de janeiro de 2009, Nakamoto colocou o código em ação e garimpou ele mesmo o primeiro bloco de 50 moedas, conhecido na comunidade como o “genesis block”. Junto com os dados liberados pela primeira ação do sistema, ele escreveu uma linha de texto com a seguinte mensagem: “The Times 03/Jan/2009 Chancellor on brink of second bailout for banks”, uma referência a um jornal inglês que publicava a notícia de mais um político que se desdobrava para salvar bancos falidos. Em outro trecho atribuído a ele, sua intenção política fica ainda mais nítida: “Sim, [não resolveremos problemas políticos apenas com a criptografia], mas podemos ganhar uma grande batalha e expandir um novo terreno para a liberdade por vários anos. Governos são bons em cortar as cabeças de redes centralmente controladas como o Napster, mas redes puramente P2P como Gnutella ou Tor parecem estar se mantendo bem”.

Nos primeiros dias do Bitcoin, Nakamoto se engajou em discussões com desenvolvedores, fez alterações na programação e se mostrava ativo em fóruns online dedicados a moeda. Em 2011, quando o conceito de uma moeda descentralizada se disseminava e começava a criar as bases de uma contraeconomia na internet, Nakamoto teria enviado um email para um hacker amigo e dito que passaria a trabalhar em outros projetos. A partir daí parou de dar notícias e simplesmente desapareceu, sem nunca revelar quem era.

Especialistas em código opinam que, pelo seu trabalho com o protocolo Bitcoin, é possível deduzir que ele não seja um programador profissional, mas talvez um acadêmico. Alguns acreditam que Nakamoto possa ser Gavin Andresen, atual desenvolvedor-chefe da Bitcoin Foundation, organização criada em 2011 para criar padrões para o sistema open source e divulgá-lo – procurado pela reportagem, Andresen não respondeu nossos vários pedidos de entrevista. O sociólogo Ted Nelson, criador do conceito de ‘hipertexto’, apostou recentemente em Shinichi Mochizuki, um excêntrico matemático japonês conhecido por ter resolvido a conjectura ABC, um dos problemas mais complexos da matemática. Na comunidade Bitcoin, uma frase-resposta comum para a pergunta “Você é Satoshi Nakamoto?” é “Não, mas se fosse também não diria”.

O mais provável, no entanto, é que Satoshi seja não um, mas vários. Dado o poder do projeto e os interesses que ele toca, não seria uma má ideia um grupo se proteger através de um conveniente pseudônimo. Em japonês, ‘Satoshi’ significa ‘pensamento claro’ ou ‘sábio’, ‘naka’ é ‘dentro’ e moto ´fundação’: ‘Pensando claro dentro da fundação’. Além disso, existe também uma brincadeira com uma campanha que ficou conhecida como ‘Find Satoshi’, em que uma empresa inglesa de games decidiu testar a teoria dos seis graus de separação (que diz que qualquer um está sempre a seis pessoas de distância de conhecer qualquer outra pessoa) e propôs que a internet achasse um homem tendo apenas sua foto e primeiro nome – ‘Satoshi’ – como informações. Assim como no jogo, Nakamoto pode estar próximo e onde menos esperamos.

Mas, convenientemente para o desaparecido criador do software de código aberto, a própria comunidade nascente de usuários da criptomoeda se apoderou do projeto e passou a criar melhorias no protocolo e uma série de serviços que passaram a movimentar uma nova economia baseada nela. Em seus primeiros dias, o conceito de uma moeda descentralizada, baseada em criptografia e relativamente anônima, agradou o movimento hacker e grupos políticos de tendências anarquistas ou libertárias, que passam a adotá-la.

A primeira transação envolvendo a moeda foi feita em janeiro de 2010, com uma pizza que valia US$ 25 custando 10 mil BTC – pelos valores de hoje, nada menos que US$ 1,220,000.

Com o tempo, o dinheiro open source passou financiar uma economia que nascia por trás dos ‘onion-routers’ (softwares que permitem a navegação anônima, como Tor) e da chamada deep web, o lado obscuro da internet. O interesse inicial focava no caráter ‘anônimo’ e descentralizado do novíssimo dinheiro digital, que possibilitaria o financiamento de ideias que não agradam a elite financeira e política. Tendo sido bloqueado de receber doações por vias como PayPal ou MasterCard por pressão do governo dos EUA, em junho de 2011 o Wikileaks passaria a receber doações através de bitcoins, divulgando ainda mais o conceito. Em 2011, em uma conversa com o ex-CEO do Google Eric Schmidt, Julian Assange se mostra empolgado com o tópico e explica suscintamente para o desinformado executivo: “É dinheiro, mas sem Estado”.

Outro entusiasta do potencial político e descentralizador das bitcoins é Rick Falkvinge – criador do primeiro Partido Pirata, o sueco, e representante eleito do Parlamento Europeu, com quem conversei por telefone. Ele destacou os três pontos que acha mais importantes no tema Bitcoin:

Existem três conceitos fundamentalmente novos que, vistos de forma conjunta, podem se tornar revolucionários. O primeiro é o valor da utilidade. Bitcoin permite que você transfira o valor de um copo de café para o outro lado do planeta instantaneamente, com poucas taxas. Apenas nesse ponto, já está pelo menos 40 anos a frente de todos os bancos comerciais. O segundo é o valor comercial. O pagamento em Bitcoin permite que o setor de varejo se desvie dos cartões de crédito e das taxas bancárias, podendo com isso até dobrar a sua margem de lucro. Essa economia acabará sendo repassada ao consumidor final. O terceiro é ovalor político. Não há banco central ou alguém com autoridade para mandar na sua conta bancária e planos futuros. O dinheiro é sua propriedade e ninguém pode impedir que você mande para quem quer que seja.

O interesse político no tema se torna óbvio, por exemplo, quando olhamos os convidados de uma conferência especializada em Bitcoin que acontecerá ainda neste ano na Áustria, a UnSystem, organizada por Amir Taaki: entre os palestrantes estão a islandesa Birgitta Jonsdottir e a sueca Amelia Andersdotter (representantes do Partido Pirata), Richard Stallman (inspirador do movimento do software livre), o estudante Cody Wilson (criador das armas impressas em 3D, em grande parte bancadas por bitcoins), o ‘cypherpunk’ Jacob Appelbaum (colaborador do Wikileaks e do Tor e já apelidado de ‘o homem mais perigoso do ciberespaço’), entre outros. Toda essa gente se atraiu pelo projeto Bitcoin por conta do seu potencial anarquista-libertário de livrar as finanças pessoais dos bancos e da influência de governos e criar um mercado inteiramente desregulado e incontrolável do ponto de vista técnico, um ideal nascido junto com a moeda nos seus primórdios na subcultura hacker e da criptografia e que parece ser o foco da comunidade de interessados na Europa.

Com a disseminação da moeda, os ideais desse primeiro grupo de apoiadores inevitavelmente se choca com os interesses dos grandes capitalistas que agora investem no Bitcoin e que possivelmente trabalharão pela ‘domesticação’ do projeto, entre elas importantes fundos de investimento dos Estados Unidos e empresários como Tyler e Cameron Winklevoss, famosos por terem sido passados para trás por Mark Zuckerberg no início do Facebook e que agora apostam pesado no futuro da moeda. Estima-se que os irmãos sejam donos de ao menos 1% das bitcoins em circulação.



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